Monday, December 26, 2011

«Porque a verdade é que uma emigração feita conscienciosa e inteligentemente só podia ser útil ao país.»

(...)
Quando o automóvel entrou, enfim, na praça de Vale de Cambra, o olhar de Nunes correu, ansiosamente, para a fachada da sua nova agência. Esse primeiro exame deixou-o satisfeito. Sobre a parede recém-pintada a ocre, lá estava a tabuleta:
E em cima, ora encarquilhando-se, ora distendendo-se com a brisa, a bandeira nacional. Serafim Costa, mal o carro se deteve, veio correndo lá de dentro para cumprimentar o sócio. Nunes apeou-se, apertou a mão que o outro lhe estendia e, envolvendo o interior da casa num olhar perscrutador, inquiriu:
— Então? Está tudo preparado?
— Tudo! Deu um trabalhão, mas tudo se arranjou. A nova agência era muito mais vistosa do que aquela onde Nunes amassara os alicerces da sua fortuna.
(...)
Ainda nem todos haviam sorvido o gole convencional de «champagne» e já o administrador do concelho exclamava:
— Excelentíssimos senhores Evaristo Nunes e Serafim Costa, meus ilustres amigos e grandes patriotas...
E começaram a passar todas as frases da «Arte de falar em público», que ele havia lido há anos e que podiam ser adequadas ao instante.
(...)
Por isso desejava que o exemplo de Nunes frutificasse. Nunes era um grande patriota, na acepção mais pura da palavra. Sendo filho de outro concelho, não hesitara em dotar Vale de Cambra com uma obra daquela natureza. Iniciava-se, é certo, principalmente nas cidades, uma grande campanha contra a emigração. Ele devia confessar que essa campanha, em parte, tinha razão de ser e merecia o seu aplauso. Pensava que era necessário terminar com o abuso dos engajadores e agentes desonestos, mas, ao mesmo tempo, era preciso estimular homens da envergadura moral de Evaristo Nunes. Porque a verdade é que uma emigração feita conscienciosa e inteligentemente só podia ser útil ao país. Tudo quanto de grande tinham as províncias de Portugal — e ele conhecia-as bem — era devido aos emigrantes que haviam enriquecido lá fora. Eram eles, os que partiam pobres e regressavam ricos, que mandavam construir hospitais, troços de estrada, igrejas, chafarizes, melhoramentos públicos de toda a ordem. Se esses homens não tivessem saído da terra, jamais poderiam dar a esta benefícios e orgulho!
Entusiásticas palmas acompanharam as últimas palavras do administrador.
Nunes pousou a sua taça, levou a mão à gravata e tornou a pegar na taça, para agradecer. Sentindo que todos os olhos se fixavam nele, esforçou-se por manter a expressão de modéstia e de humildade que tomara desde que os discursos haviam começado.
Não era merecedor de tantos elogios — disse. — Fizera apenas o seu dever de patriota e de republicano. E se evocava ali as suas opiniões políticas, era por estar em frente de dois correligionários de grande prestígio, o doutor Arruda e o senhor administrador — e ainda por entender que todo o bom republicano devia trabalhar para engrandecer a província sob a vigência da República, que era a mesma coisa que à República engrandecer.
(...)
Respondendo à última parte do discurso do administrador, afirmou que todos podiam estar descansados. Ele defendia a emigração, porque ela constituía o maior caudal de oiro que exploravam os emigrantes. Agente de passagens e passaportes há muitos anos, podia vangloriar-se de ter as mãos limpas. E este passado respondia pelo seu futuro. O único orgulho da sua vida era ser um homem honesto e — por que não dizê-lo? — um sincero, um desinteressado patriota!

***
(...)
Nos Salgueiros, (quis furtar-se à curiosidade dos da casa do Tavares e pediu à velha Rosa que caminhasse para o lado do Pontão. Ela, porém, estranhando o desejo singular, argumentou com a camioneta, que só pararia ali se trouxesse pouca gente, ao jpasso que na loja do Tavares tinha de parar, pelo correio, mesmo que viesse a abarrotar.
— Não faz mal.
Só se detiveram para além do povoado, demorando-se ele a olhar a sua casa, humilde e pequena, ao longe, e a terra fecunda que ambicionara, a terra em que nascera e que o perdia agora para sempre — para sempre... Haviam-se tornado irreconciliáveis o homem que se adaptara a outra atmosfera e aquelas jeiras verdes que já não encontravam amor no seu coração de repatriado. Delas não portava saudades; se pudesse levar consigo o tagarela do neto e garantir a perpetuidade da sepultura de Amélia, não lhe daria tristeza a despedida — mesmo que fosse a última.
Dali, ele via também o palacete do Nunes, que se via de toda a freguesia — que se via de toda a parte. E considerava-lhe a magnificência, às furtadelas da tia Rosa, quando na estrada surgiu figura conhecida. Era o Lopes de Sandiães, que já o lobrigara e lhe sorria de longe. «Má raios o partam!» — murmurou.
Não pôde eximir-se ao paleio e já se deixava conduzir à loja do Tavares, para não dar com a recusa motivo a suspeição, quando ouviu o rodar da camioneta.
Respirou. O veículo detevê-se e ele subiu — «adeus senhor Lopes, até qualquer dia!» — o coração mais negro do que a noite negra e a mão colocando na da velha recoveira algumas moedas.
Não levava já a ânsia de volver, como há nove anos, quando partira para o Brasil; desejava apenas ocultar em Lisboa a sua miséria e que nunca mais se lembrassem dele, que o esquecessem para sempre.
A camioneta passou rente ao palacete do Nunes, que emanava para a estrada perfume intenso de rosas; parou junto à porta do Tavares, pela mala do correio, obrigando-o a dizer lá para dentro, com máscara improvisada, que talvez voltasse brevemente, que ia gozar uns dias a Lisboa e depois se estabeleceria ou regressaria, conforme resolvesse...
Retomada a marcha e aliviado da obrigação de mentir, espraiou os olhos, em derradeiro adeus, pela freguesia. Veio-lhe, então, um desejo enorme de chorar — de chorar a sua vida inutilizada, o passado que não volveria, as ilusões que fora abandonando ao longo da áspera jornada. Sentia agora o irremediável, o tempo perdido, os anos em que se esgotara, avelhentando, correndo, correndo atrás da quimera fugidia. E estrangulava os soluços na garganta, para que ninguém os ouvisse.
A camioneta rodava velozmente, levando-o para o esquecimento, roubando-o à sua vida de fecundador da terra, para o entregar, indefeso, vencido, a uma outra vida que era ainda, para ele, um enigma.
Tudo passava lesto; tudo, casais, árvores e caminhos, se confundia, humildemente, na mansidão bucólica da tarde. De altivo, berrante, orgulhoso, só o palacete do Nunes, que enriquecera sem ir a nenhum dos países da América — que enriquecera com os que tinham ido e por lá ficaram, entregues aos acasos da sorte, ou haviam regressado pobres, desiludidos e gastos como Manuel da Bouça.
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Ilustração de Bernardo Marques para a capa do livro Emigrantes
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Poesia de Rosalía de Castro, traduzida e musicada por José Niza 
Este vaise i aquel vaise, / e todos, todos se van. / Galicia, sin homes quedas / que te poidan traballar. / Tés, en cambio, orfos e orfas / e campos de soledad, / e nais que non teñen fillos / e fillos que non ten pais. / E tés corazóns que sufren / longas ausencias mortás, / viudas de vivos e mortos / que ninguén consolará.

Saturday, December 24, 2011

Silent Night



Silent night, holy night
All is calm, all is bright
Round yon virgin mother and child
Holy infant so tender and mild
Sleep in heavenly peace
Sleep in heavenly peace

... Brought traditional enemies together but it left the defenders of the measure without the votes of their strongest supporters. President Johnson originally proposed an outright ban covering discrimination by everyone for every type of housing, but it had no chance from the start and everyone in Congress knew it. A compromise was painfully worked out in the House Judiciary Committee. In Los Angeles today comedian Lenny Bruce died of what was believed to be an overdose of narcotics. Bruce was fourty-two years old. Dr. Martin Luther King says he does not intend to cancel plans for an open housing march Sunday into the Chicago suburb of Cicero. Cook County sheriff Richard Ogleby asked King to call of the March, and the police in Cicero said they would ask the National Guard be called out if it is held. King, now in Atlanta, Georgia, plans to return to Chicago Tuesday. In Chicago, Richard Speck, accused murderer of nine student nurses, was brought before a grand jury today for indictment. The nurses were found stabbed and strangled in their Chicago Apartment. In Washington, the atmosphere was tense today as a special sub-committee of the House Committee on Un-American Activities continued its probe into anti-Vietnam war protest. Demonstrators were forcibly evicted from the hearings when they began chanting anti-war slogans. Former Vice-President Richard Nixon says that unless there is a substantial increase in the present war effort in Vietnam, the U.S. should look forward to five more years of war. In a speech before the Convention of the Veterans of Foreign Wars in New York, Nixon also said opposition to the war in this country is the greatest single weapon working against the U.S. That’s the 7 o’clock edition of the news. Good-night.

Silent night, holy night
All is calm, all is bright
Round yon virgin mother and child
Holy infant so tender and mild
Sleep in heavenly peace
Sleep in heavenly peace

Monday, December 19, 2011

Há 50 anos: O pintor morreu

José Dias Coelho
(Nasceu em Pinhel, em 19 de Junho de 1923, e morreu em Lisboa, assassinado numa rua de Alcântara, em 19 de Dezembro de 1961)
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Prá frente, meu coração: Excertos da intervenção de José Cardoso Pires  na homenagem a José Dias Coelho, na Sociedade Nacional de Belas Artes, a 19 de Junho de 1974
[Nota: José Cardoso Pires foi aluno da licenciatura em Matemáticas Superiores, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, não tendo terminado o curso]
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Há 50 anos: Os portugueses foram expulsos definitivamente de Goa, Damão e Diu em 19 de Dezembro de 1961






(...)
Seria necessário esperar cerca de 30 anos, após o fim da primeira guerra colonial em Angola, para se assistir ao início da derrocada do império e das ilusões coloniais. A União Indiana, que tinha conquistado a independência em 1947 (o que só por si devia ter feito meditar Salazar), começou nos anos 50 a reivindicar os territórios que Portugal ocupava – os enclaves de Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar-Avely.
Em fins de Julho de 1954, forças da União Indiana assaltaram e ocuparam definitivamente os dois pequenos enclaves de Dadrá e Nagar-Avely. A crise política desencadeada então entre os dois países durou cerca de um ano, mas os portugueses foram expulsos definitivamente de Goa, Damão e Diu em 19 de Dezembro de 1961, nas circunstâncias bem conhecidas. A tensão entre Portugal e a União Indiana só terminou em 31 de Dezembro de 1974.
Nesse ano de 1954, a 11 de Agosto, em Portugal, o Movimento Nacional Democrático, cujo presidente era o matemático Ruy Luís Gomes, enviou aos jornais uma “nota oficiosa”(27), um extenso documento, que vale a pena ler, sobre a situação política em Portugal e sobre o que se estava a passar na Índia, condenando a política colonial do governo. Foi o suficiente para que Ruy Luís Gomes, Virgínia Moura, Lobão Vital, José Morgado e Albertino Macedo fossem presos e acusados de traição à pátria(28), ameaçados com cinquenta anos de prisão mais medidas de segurança, e passassem por vários julgamentos até serem finalmente libertados em 1957.
O próprio Ruy Luís Gomes, no seu Curriculum Vitae político [RLG], refere que foi “preso pela PIDE em 19 de Agosto de 1954 por ter, juntamente com os restantes elementos da Comissão Central do MND, elaborado um documento condenando a política colonial do Estado Novo e defendendo a autodeterminação dos Povos, por ocasião de incidentes ocorridos em Goa, Damão e Diu. Foi então acusado de traição à Pátria e julgado em Junho de 1955 no Tribunal plenário do Porto. Foi condenado em 18 meses de prisão. Recorreram da sentença, aguardando em liberdade o resultado do recurso. Anulado o julgamento, recolheu de novo à cadeia em meados de 1956. Novamente julgado em meados de 1957 foi condenado em dois anos de prisão. Mais de metade deste tempo foi passado na Colónia Penal de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, prisão especialmente destinada a presos comuns de difícil correcção; muitos destes presos eram dementes”.
(...)
-
(27) Ver [PM] ou [MND].
(28) A acusação de “traição à pátria” nunca foi provada em tribunal e não foram condenados por esse motivo. Ver [PM].

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[MND] Nota oficiosa do MND, “Jornal de Notícias” de 1 de Agosto de 1974.
"Nota oficiosa" do MND de 11 de Agosto de 1954 [espólio de Corino de Andrade]
"Nota oficiosa" do MND de 11 de Agosto de 1954 sobre os acontecimentos ocorridos em Goa, Damão e Diu (O caso da Índia)
[PM] Paulo Morgado, “A Poesia está na Rua” com o Professor Ruy Luís Gomes e os seus Companheiros. Campo das Letras, Porto, 2007 (em edição).
[RLG] Ruy Luís Gomes, Curriculum Vitae político. Espólio arquivado na FCUP.

Thursday, December 15, 2011

Oscar Niemeyer (15 de Dezembro de 1907)




Chico Buarque
(Publicado no folheto Poemas, testemunhos, cartas, comemorando os 90 anos de Niemeyer - 2000)
A casa do Oscar era o sonho da família. Havia o terreno para os lados da Iguatemi, havia o anteprojeto, presente do próprio, havia a promessa de que um belo dia iríamos morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência porque meu pai, embora fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca juntava dinheiro para construir a casa do Oscar. Mais tarde, num aperto, em vez de vender o museu com os cacarecos dentro, papai vendeu o terreno da Iguatemi. Desse modo a casa do Oscar, antes de existir, foi demolida. Ou ficou intacta, suspensa no ar, como a casa no beco de Manuel Bandeira.
Senti-me traído, tornei-me um rebelde, insultei meu pai, ergui o braço contra minha mãe e sai batendo a porta da nossa casa velha e normanda: só volto para casa quando for a casa do Oscar! Pois bem, internaram-me num ginásio em Cataguazes, projeto do Oscar. Vivi seis meses naquale casarão do Oscar, achei pouco, decidi-me a ser Oscar eu mesmo. Regressei a São Paulo, estudei geometria descritiva, passei no vestibular e fui o pior aluno da classe. Mas ao professor de topografia, que me reprovou no exame oral, respondi calado: lá em casa tenho um canudo com a casa do Oscar.
Depois larguei a arquitetura e virei aprendiz de Tom Jobim. Quando a minha música sai boa, penso que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é a casa do Oscar.
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Vídeo:
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Oscar Niemeyer - A Vida é um Sopro
1 - 2 - 3 - 4 - 5 - 6
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Official Website:

Thursday, December 08, 2011

O Nasoni era italianíssimo, mas soube entender os méritos do granito lusitano...

Em Matosinhos há que ver a Igreja do Senhor Bom Jesus e a Quinta do Viso. Mas o viajante, que não pode chegar a todo o lado, ficou-se pelo Nasoni, por esta perfeita obra de arquitectura, toda composta na horizontal. O Nasoni era italianíssimo, mas soube entender os méritos do granito lusitano, dar-lhe espaço para melhor chegar aos olhos, alternando o escuro da pedra moldurante com a cal dos rebocos. Esta lição esqueceram-na os adulteradores modernos, os fabricantes do pesadelo. O viajante sabe muito bem que casas de granito custariam hoje fortunas incomportáveis, mas aposta o que tem e o que não tem como seria possível encontrar soluções economicamente equilibradas compatíveis com uma tradição arquitectónica que tem vindo a ser metodicamente assassinada. Pavores.
Cá fora, no jardim meio esventrado, há umas capelas toscas, bastante arruinadas, onde convencionalíssimos barros descrevem os passos da cruz. É esta uma coisa que muito custa a compreender ao viajante: a dificuldade que têm os homens de aprender as boas coisas, a facilidade com que repetem as más. Dentro da igreja não faltam as peças de boa escultura, por exemplo, um S. Pedro de pedra de Anca: com o bom exemplo à vista, que modelos foram escolher estes barristas sem inquietação na ponta dos dedos? A pergunta não tem resposta, mas a isso está já o viajante habituado.
(...)

Monday, December 05, 2011

O melhor de Mateus ainda é o Nicolau Nasoni...

(...)
Torna o viajante a Vila Real, e agora, sim, cumprirá os ritos. O primeiro será Mateus, o solar do morgado. Antes de entrar, deve-se passear neste jardim, sem nenhuma pressa. Por muitos e valiosos que sejam os tesouros dentro, soberbos seríamos se desprezássemos os de fora, estas árvores que do espectro solar só descuidaram o azul, deixam-no para uso do céu; aqui têm todos os tons do verde, do amarelo, do vermelho, do castanho, roçam mesmo as franjas do violeta. São as artes do Outono, esta frescura debaixo dos pés, esta alegria maravilhosa dos olhos, e os lagos que reflectem e multiplicam, de repente o viajante cuida ter caído dentro dum caleidoscópio, Viajante no País das Maravilhas.
Dá por si olhando de frente o palácio. E uma beleza maltratada em rótulos de garrafas de um vinho sem espírito, mas que, por graça de Nasoni, seu arquitecto, se mantém intacta. Coisas assim não se descrevem, e, se é certo ser o viajante mais sensível às simplicidades românicas, também é capaz de não cair em teimosias estultas. Por isso não resiste a esta graça cortesã, ao golpe de génio que é a ocupação do espaço superior com uns pináculos à primeira vista desproporcionados. O pátio parece acanhado, e é, afinal, o primeiro sinal da intimidade interior. As grandes lajes de granito ressoam, o viajante sente ali o grande mistério das casas dos homens. Lá dentro, é o que se espera: o quadro, o móvel, a estátua, a gravura, uma certa atmosfera de sacristia galante lutando contra as ponderosas erudições da biblioteca. Aqui estão as chapas das gravuras originais de Fragonard e Gérard para a edição dos Lusíadas, e quem for fácil de satisfazer em matéria de arroubos pátrios encontrará autógrafos de Talleyrand, Metternich, Wellington, também de Alexandre, czar da Rússia — todos agradecendo a oferta do livro que não sabiam ler. Com todo o respeito, o viajante considera que o melhor de Mateus ainda é o Nicolau Nasoni.
(...)

Thursday, November 24, 2011

Porque vivimos a golpes, porque a penas si nos dejan decir que somos quien somos, nuestros cantares no pueden ser sin pecado un adorno. Estamos tocando el fondo.



LA POESÍA ES UN ARMA CARGADA DE FUTURO

(De "Cantos iberos", 1955)

Cuando ya nada se espera personalmente exaltante,
mas se palpita y se sigue más acá de la conciencia,
fieramente existiendo, ciegamente afirmando,
como un pulso que golpea las tinieblas,

cuando se miran de frente
los vertiginosos ojos claros de la muerte,
se dicen las verdades:
las bárbaras, terribles, amorosas crueldades.

Se dicen los poemas
que ensanchan los pulmones de cuantos, asfixiados,
piden ser, piden ritmo,
piden ley para aquello que sienten excesivo.

Con la velocidad del instinto,
con el rayo del prodigio,
como mágica evidencia, lo real se nos convierte
en lo idéntico a sí mismo.

Poesía para el pobre, poesía necesaria
como el pan de cada día,
como el aire que exigimos trece veces por minuto,
para ser y en tanto somos dar un sí que glorifica.

Porque vivimos a golpes, porque a penas si nos dejan
decir que somos quien somos,
nuestros cantares no pueden ser sin pecado un adorno.
Estamos tocando el fondo.

Maldigo la poesía concebida como un lujo
cultural por los neutrales
que, lavándose las manos, se desentienden y evaden.
Maldigo la poesía de quien no toma partido hasta mancharse.
Hago mías las faltas. Siento en mí a cuantos sufren
y canto respirando.
Canto, y canto, y cantando más allá de mis penas
personales, me ensancho.

Quisiera daros vida, provocar nuevos actos,
y calculo por eso con técnica, qué puedo.
Me siento un ingeniero del verso y un obrero
que trabaja con otros a España en sus aceros.

Tal es mi poesía: poesía-herramienta
a la vez que latido de lo unánime y ciego.
Tal es, arma cargada de futuro expansivo
con que te apunto al pecho.

No es una poesía gota a gota pensada.
No es un bello producto. No es un fruto perfecto.
Es algo como el aire que todos respiramos
y es el canto que espacia cuanto dentro llevamos.

Son palabras que todos repetimos sintiendo
como nuestras, y vuelan. Son más que lo mentado.
Son lo más necesario: lo que no tiene nombre.
Son gritos en el cielo, y en la tierra, son actos.

(Gabriel Celaya)

Gabriel Celaya / Paco Ibañez:
La poesía es un arma cargada de futuro (Paco Ibañez) (1969)
La poesía es un arma cargada de futuro (Paco Ibañez) (2002)
La poesía es un arma cargada de futuro (Joan Manuel Serrat)

Monday, November 21, 2011

A transferên​cia da Universida​de portuguesa​, de Lisboa para Coimbra, num texto de Aquilino Ribeiro

«Na mocidade não era o homem mal apessoado que figura mais tarde nos retratos de Cristóvão Lopes. Chaveiro do pescoço, o que avultou com os anos e tomou relevo com a sua altura meã e as regueifas da face, tinha olhos garços e boca rosada, bem definida. De carácter, como já se disse, era dissimulado e, quanto a palavra, que ao seu tempo era oiro para os homens comuns, mostrou-se tão hábil político que só a mantinha segundo a maré das conveniências.» (Príncipes de Portugal: suas grandezas e misérias)
***
***
«Possidónios», «abroeirados» e «sapateirais»
-
IV

Passa também D. João III por ser um útil reformador do ensino e, implicitamente, por amigo das letras, o que admira em face do mau recado que deu dos estudos primários. Devido a incapacidade mental ou relutância ao esforço, o latim e humanidades nunca chegaram a entrar-lhe na cachimónia. Di-lo frei Luís de Sousa, o mais cauteloso e incondicional dos cortesãos.
Terem-no guindado a Mecenas do ensino deve-o sobretudo à transferência que ordenou da Universidade de Lisboa para Coimbra, e sua reorganização. Custa a admitir que despojar a capital em proveito de uma cidade sertaneja, que tal se nos apresenta Coimbra com a dinastia de Avis, possa ser considerado um mérito. As razões que se invocaram para assim proceder são de todo especiosas e verdadeiramente ludibriantes. A capital tornara-se de facto uma metrópole de desvairadas gentes, dada ao luxo e à sumptuosidade. Mercê do porto de mar, chegavam ali mais depressa que lá para o interior as auras novas. Nos navios vinham da Flandres, de mistura com missais, galhetas e mais artefactos sacros, os livros proibidos ou simplesmente libertinos. Agora que o silêncio provincial seja mais profícuo ao trabalho do enten­dimento que o bulício das cidades é discutível. Com este, coexiste o torvelinho das ideias e a febre espiritual. Os campos são bons para os bois—dizia um humorista, e realmente a natureza convida a tudo menos a pensar. Pensar é um artifício do homem, que saiu, segundo a Bíblia, das mãos do Criador ditosamente maciço e obtuso. De resto, tal modo de ver era já contraditado ao tempo pelas Universidades de Paris e de Bolonha, sitas em cidades cosmopolitas e ruidosas.
Quanto às outras razões, ainda elas se entremostram mais descaroàvelmente sofismadas. Ter-se-á escolhido Coimbra, ao tempo lá no calcanhar de Judas, em virtude do rancor inextinto que D. João III votara aos velhos lentes das escolas de Lisboa, que não teriam pejo de falar de sua memória rude, e haviam cometido o despautério de não comparecer à sua entronização de capelo e borla, subservientes e bajula­dores?
Fosse como fosse, transferiu a Universidade para Coimbra e de princípio foi o caos. Não havia ali biblioteca boa nem má, nem mesmo lugares aptos a receber mestres e discípulos. Houve que recorrer aos colégios eclesiásticos já existentes e o reitor resignou-se a dar aulas nos seus próprios apo­sentos.
Os velhos catedráticos de Lisboa, salvo Pedro Nunes, que foi ganhar um ordenado de grão-duque, recusaram-se a trocar a capital pela parvónia provincial. Mas para esta emergência estava D. João III preparado. A rogo de Diogo de Gouveia que dirigia em Paris o Colégio de Santa Bárbara, decerto em má postura económica, acedeu a tomar ali quartel para cinquenta pensionistas, que enviaria de Portugal. Chegou a completar-se esta lotação ? Não o dizem os tombos, mas o certo é que de Portugal seguiram para Paris vários mocinhos. Antes de mais nada, como a caridade bem entendida começa por nós, o principal de Santa Bárbara chamou os parentes, os Gouveias, todos eles de cepa judaica. Eram uma tribo, espertos e aplicados, e muitos, se não todos, marcaram um lugar de distinção. André de Gouveia foi chamado a Bordéus a reformar o Colégio de Guiana, caído em decadência, e nesse cargo mereceu os louvores de Montaigne. António de Gouveia leu filosofia na Sorbonne e sustentou contra Pierre de Ia Ramée, em prol de Aristóteles, uma polémica que ficou célebre. Um outro Diogo de Gouveia, com o agnome de Júnior, sucedeu na reitoria do Colégio de Santa Bárbara.
André, que era tonsurado, oferecia a D.João III a garantia das ordens sacras para professor dos seus meninos. Mais do que isso, encarregou-o de organizar o corpo docente que viria leccionar para Coimbra. Eram lugares bem pagos e a comissão portanto disputada. Vieram muitos na sua boa fé. André de Gouveia, que era oportunista, tanto assim que despira a samarra de judeu e vestira a sotaina de clérigo, em despeito destas boas qualidades de adaptação esqueceu que vinha de um país livre para a catacumba de uma sacristia.
Da mesma forma, os pobres lentes que o acompanharam, sem embargo da conformidade com as leis civis e religiosas, tudo o que havia de pensamento mais pot-au-feu, acabaram por ser relegados ao tribunal do Santo-Ofício que os encarcerou e torturou para que não tivessem a má ideia de vir ganhar a vida no país dominado por uma religião feroz que não admitia sabichões. Que foram os jesuítas que indicaram o caminho do Colégio das Artes aos familiares do Santo-Ofício, no intuito de alcançarem o monopólio do ensino? É possível. O sucedido mostra bem o apego que D. João III tinha ao ministério das letras e a delicadeza de alma que professava para com hóspedes que procuravam desempenhar a sua missão com honra. Assim ou assado, a Universidade, pedra lar das artes e letras, onde deviam prevalecer as luzes da razão em prejuízo das ideias estáticas da escolástica e da ciência antropocêntrica, tinha vivido o tempo que vivem as rosas. Dali em diante, ficou, no geral, a Instituição bafienta, inútil, arcaica, submissa às ideias feitas, onde jamais foi possível entrar um verdadeiro ar de civilização e sair outra coisa que não fossem as metanas exaladas pelo timpanismo dos mestres mais possidónios, mais abroeirados, mais sapateirais do Orbe.
 
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Príncipes de Portugal: suas grandezas e misérias, acabado de escrever e editado em 1952, foi proibido em 1953. Ler as intervenções sobre este livro nas páginas 370-377 do nº 183 do Diário da Assembleia Nacional (sessão de 13 de Dezembro de 1952). "Clicar" em 183.
***
(...)
Não são só reis e príncipes que Aquilino Ribeiro amesquinha e ridiculariza, mas a própria Universidade e os seus mestres, que achincalha e reduz à mediocridade risível e enfatuada. E com isto não atinge apenas a vetusta e sábia corporação, madre da cultura, mas a própria cultura nacional, que ela fomentou e mantém.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Para que a Câmara se aperceba do tamanho da injúria, vou transcrever as palavras de Aquilino Ribeiro, situadas no tortuoso perfil de D. João III, a pp. 146 e 147 do livro referido.
A propósito da transferência da Universidade para Coimbra e da reforma e renovação do ensino realizadas por aquele rei, Aquilino Ribeiro aproveita o lanço para aludir aos processos que a Inquisição moveu a alguns professores do Colégio das Artes e concluir daí que, perseguidos tais professores, o espírito científico e indagador abandonara para sempre a egrégia instituição e o País. Na verdade, Aquilino Ribeiro escreveu:
Assim ou assado, a Universidade, pedra lar das artes e das letras, onde deviam prevalecer as luzes da razão em prejuízo das ideias estáticas da escolástica e da ciência antropocêntrica, tinha vivido o tempo que vivem as rosas.
Dali em diante ficou, no geral, a instituição bafienta, inútil, arcaica, submissa às ideias feitas, onde jamais foi possível entrar um verdadeiro ar de civilização e sair outra coisa que não fossem as metanas exaladas pelo timpanismo dos mestres mais possidónios, mais abroeirados, mais sapateirais do Orbe.

Esta linguagem podem usá-la os pasquinários sarrafaçais que passam sem reparo, gorgulhando como os enxurros, a caminho da sarjeta; Aquilino Ribeiro, pela sua categoria mental e pelas responsabilidades que criou, não pode nivelar-se, barba por barba, com esses desesperados da notoriedade.
E tudo isto porquê, Sr. Presidente?
Só porque no século XVI alguns professores, que nem sequer o eram da Universidade, foram processados pela Inquisição!...
(...)
[Intervenção do Sr. Abrantes Tavares na Assembleia Nacional em 13 de Dezembro de 1952]

Ver
Desagravo. Três Discursos na Assembleia Nacional. Moção do Senado da Universidade de Coimbra

Neste blogue:
D. João III

Thursday, November 17, 2011

Portuguese pavements: Eduardo Nery, Praça da República, Redondo, Portugal

A originalidade de Eduardo Nery. Para cada espaço a arte adequada, a plástica que aquele lugar pede. Não há repetições. Vejam-se as diferentes realizações de calçadas de Eduardo Nery: Praça do Município e Martim Moniz / Rua da Mouraria, ambas em Lisboa.



1968/1971
Pavimento de praça em calçada-mosaico, Redondo
Imagens copiadas por mim do livro
Texto do referido livro:
PROJECTO: 1968
EXECUÇÃO: 1971
DIMENSÕES: c. 47,6m x 53,4m
PROJECTO URBANÍSTICO: Sebastião Formozinrio Sanches, Canon - Centro de Estudos e Projectos, L.da.
CLIENTE: Câmara Municipal do Redondo
LOCALIZAÇÃO: Praça da República, Redondo.
Pavimento em calcário e basalto, integrando uma fonte existente num dos ângulos da praça. e constituído por duas malhas de desenho, uma dinâmica em losangos e outra estática em quadrados, junto dos edifícios da Câmara Municipal e do Tribunal do Redondo.

-
Ver
Eduardo Nery (Official Website)
(neste blogue)

Monday, November 14, 2011

"JOSÉ" (Carlos Drummond de Andrade)

Carlos Drummond de Andrade, por Portinari

-
José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?


E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?


Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!


Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?


(Copiado de Memória Viva / Memória Viva)

Ouça pela voz de Drummond:
José
José


CARTA DE JOSÉ
"Prezado cronista:
Permita que me apresente. Sou José, sem mais nada. Não tendo família, não tenho sobrenome. Aliás não tenho nada, salvo a particularidade de estar sempre ligado a uma pergunta que o amigo há de ter ouvido muitas vezes, e que também outras muitas terá feito ao próximo ou a si mesmo. Pergunta curiosa: ninguém pensa em respondê-la, ou porque não sabe ou porque não há mesmo resposta válida para ela. Uns chegam a supor que se trata de pergunta não interessada em ser respondida. Para outros, malgrado a característica formal, ela já é em si uma resposta. Que resposta? Uma pergunta. Morou? Não faz mal. Ela continua a ser feita.
(...)
O autor, segundo me consta, é conhecido, senão íntimo do senhor. Pois então, leia de novo o poema que se refere a este seu criado, e diga se estou certo em responder eu mesmo — afinal — à pergunta que muita gente se faz: E agora, José? Agora, continuo. Atenciosamente, José."
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Correio da Manhã, 14/06/67
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Wednesday, November 09, 2011

Por la manchega llanura se vuelve a ver la figura de Don Quijote pasar...

Fotografía de Robert Capa


VENCIDOS

Por la manchega llanura
se vuelve a ver la figura
de Don Quijote pasar.
Y ahora ociosa y abollada va en el rucio la armadura,
y va ocioso el caballero, sin peto y sin espaldar,
va cargado de amargura,
que allá encontró sepultura
su amoroso batallar.
Va cargado de amargura
que allá «quedó su ventura»
en la playa de Barcino, frente al mar.

Por la manchega llanura
se vuelve a ver la figura
de Don Quijote pasar.
Va cargado de amargura,
va, vencido, el caballero de retorno a su lugar.
¡Cuántas veces, Don Quijote, por esa misma llanura,
en horas de desaliento así te miro pasar!
¡Y cuántas veces te grito: Hazme un sitio en tu montura
y llévame a tu lugar,
hazme un sitio en tu montura,
caballero derrotado,
hazme un sitio en tu montura
que yo también voy cargado
de amargura
y no puedo batallar!

Ponme a la grupa contigo,
caballero del honor,
ponme a la grupa contigo
y llévame a ser contigo
pastor.
Por la manchega llanura
se vuelve a ver la figura
de Don Quijote pasar...


(León Felipe)

Fotografía de Robert Capa


Video:
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