Tuesday, March 02, 2010

Soledad...

(...)
Meu tio, chamando fortemente por mim, causou-me um sobressalto: — Rapaz, que é que tu tens? Estás com saudades da tua casa e de Lisboa? Ou estás com saudades da noite de ontem?
Os rostos dos espanhóis e de minha tia sorriam-me com complacência, e ele repetiu: — Tu nem comes, tudo isso é saudade?
— Não, pelo contrário. Não tenho saudades de nada.
— Oh que homem feliz! — e explicou minuciosamente aos espanhóis que eu não tinha saudades de coisa nenhuma, nem de ninguém.
Havia tristeza agora na complacência com que ambos me olhavam, e don Juan, o mais velho, falando pausadamente, explicou que nós, os portugueses, tínhamos a convicção de que, em nenhuma língua, havia palavra equivalente à nossa «saudade», e que, portanto, os outros povos não sentiam aquilo que nós chamávamos assim. Brincou com pedacinhos de miolo de pão, e prosseguiu: — Mas essas coisas são humanas, não têm nada de transcendente, de especial, ou de especificamente português. As pessoas têm saudades, como os portugueses dizem, de tudo o que hão perdido, de tudo o que não hão tido, ou mesmo de qualquer coisa, pessoa ou lugar de que estão separados. E não é verdade que as outras línguas não tenham palavras para dizer desse sentimento de la soledad.
Meu tio exclamou: — Mas soledad em espanhol...
— Em castelhano — interrompeu o mais novo, o basco.
— Soledad, em castelhano, equivale a «solidão» em português. E a saudade é uma coisa que se pode sentir dentro da gente, mesmo que haja muitas pessoas à nossa volta.
Don Juan sorriu e disse: — Mas, don Justino, também a solidão se pode sentir entre amigos... La soledad... O senhor faz tudo para nos ocupar, nos distrair, nos acompanhar; e eu — levou a mão elegantemente ao peito — eu sinto-a, longe dos meus e do meu país por cujo destino temo.
No silêncio que se estabeleceu, eu disse: — E mesmo a solidão, a gente pode senti-la sem razão, sem saber porquê. Como uma espécie de vazio à nossa volta, ou uma falta de sentido das coisas que nos acontecem a nós ou que a gente vê acontecer.
(...)
(Jorge de Sena, Sinais de Fogo)
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Cecília Meireles, Alain Oulman, Amália Rodrigues: Soledad - aqui ou aqui

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