Pavimentos em calçada-mosaico no Martim Moniz, Lisboa, 1981/88
1 – Adro da Capela de Nª Sª da Saúde
Por falta de tempo em 1981 (data do concurso de renovação urbana do Martim Moniz), este espaço foi deixado como um vazio a organizar posteriormente.
Por essa razão, no projecto de execução dos pavimentos uma das principais preocupações foi a marcação de dois eixos extremamente importantes, correspondentes aos dois principais percursos no atravessamento pedonal desta área um pouco indefinida, a meio caminho entre um espaço-rua e um espaço-praça, entendido como adro da capela.
Um deles corresponde à clara marcação do prolongamento do eixo da Rua da Mouraria, através de uma sucessão rítmica de círculos em direcção à parte mais estreita desta rua, iniciada a sul com um labirinto.
O outro vector importante, e que corta quase perpendicularmente o anterior, corresponde à acentuação do percurso pedonal, que liga entre si duas escadarias existentes “frente a frente” nas duas colinas do Martim Moniz, percurso esse que foi claramente explicitado pelos projectistas do Plano, através de uma alameda ligando entre si essas duas escadarias.
O tema geométrico que unifica estes ritmos de linhas rectas e curvas é um elemento decorativo simples, constituído por duas barras de 20 cm, cada, com uma largura total de 1 metro, o qual volta a surgir no passeio na Rua da Capela, procurando assim ligar entre si espaços bastante diferentes e relativamente afastados.
Seja como for, o elemento polarizador no adro da capela será sempre o rebatimento da fachada principal sobre o pavimento, prolongado para sul através da repetição das linhas curvas do frontão. Aliás, esta repetição do arabesco superior do frontão tem uma dupla função plástica: - a do prolongamento virtual da própria capela, como translação ao longo do adro, e da autonomização gráfica do arabesco curvo, transformado aqui em simples elemento decorativo, que articula entre si dois formulários distintos, o dos elementos arquitectónicos rebatidos, com o jogo mais livre e ritmado das barras de 20 cm.
2 – Rebatimento de duas fachadas da Capela de Nª Sª da Saúde
Como esta proposta se mantem intacta desde 1981, sem alterações significativas, limito-me a repetir aqui a parte da memória descritiva do concurso, que lhe diz respeito:
O rebatimento sobre o chão de duas fachadas desta capela visa dois objectivos opostos: - grantir uma maior integração deste edifício no novo espaço urbano, e, em sentido inverso, dar mais ênfase à sua situação de edifício singular, diferente dos demais no Martim Moniz.
Quero salientar é que, ao fazer estes rebatimentos, não pretendi de modo algum ridicularizar ou banalizar a capela. Pelo contrário, procurei revitalizá-la, chamando mais a atenção sobre ela. Não porque se trate de uma construção com grande interesse arquitectónico. O seu valor deriva sobretudo da sua importância religiosa e também afectiva para os lisboetas que gostam da sua cidade, visto tratar-se do único testemunho “sobrevivente” ao camartelo dos anos 50, que arrasou toda esta área da cidade.
3 – Malha de triângulos na Rua da Mouraria
3 – Malha de triângulos na Rua da Mouraria
Neste desenho para calçada-mosaico exitem alguns aspectos importantes a salientar:
- Antes de mais, trata-se de um pavimento em empedrado com uma malha de desenho que combina duas características quase opostas: por um lado, esta malha é suficientemente densa para criar o sentimento de preencher o espaço-rua na sua totalidade; por outro, é suficientemente flexivel para permitir apontar diferentes direcções de percursos (como se poderá esperar do movimento aleatório dos peões), contribuindo ao mesmo tempo para acentuar a própria sinuosidade do traçado desta rua muito antiga.
- Na sua composição houve o cuidado de marcar linhas diagonais, que convergem para o portal principal do Centro Comercial, numa situação de simetria relativamente ao eixo dessa entrada, já de si reforçada pelo grande quadrado negro de 4 x 4 metros, também implantado no seu eixo.
- Também as mudanças de ritmos e de dimensões dos 3 módulos diferentes dos triângulos conferem diferentes escalas ao desenho global, permitindo adaptar-se simultaneamente à estreita passagem existente a sul, sob o Centro Comercial, ou aumentá-lo para grandes quadrados no topo norte da Rua da Mouraria, precisamente na zona aonde ela mais se alarga.
- Aliás, neste empedrado, a forma mais estática do quadrado alterna com a dinâmica mais direccional do triângulo, criando um percurso bastante rico de “surpresas visuais”, na medida em que os próprios quadrados são gerados por triângulos, e estes últimos gerados por sua vez no seio de uma malha de quadrados, com base numa modulação quadrangular de 2 x 2 metros.
- Este fazer e des-fazer da malha estrutural, oscilando entre o triângulo e o quadrado é tanto mais enfático, quanto as formas tendem a “dissolver-se”, ou a soltar-se nas duas margens da rua, numa situação claramente assumida de assimetria, com o desenho rematado a preto junto do edifício novo do Centro Comercial e a branco junto das construções mais antigas.
Eduardo Nery
(Excertos da memória descritiva e justificativa, datada de 3/05/1988, do “Projecto de execução dos pavimentos e de arranjo dos espaços exteriores do Sector IV no Martim Moniz”)
[O autor deste blogue agradece a Eduardo Nery a autorização para publicar estes seus documentos (texto e fotos)]
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